Você já parou para pensar como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplica às transações de produtos usados? Vamos descomplicar essa relação e entender o que a legislação prevê para os envolvidos nesse cenário.
O CDC, que rege as relações entre consumidores e fornecedores, funciona como um guia obrigatório. Quando há uma relação de consumo, ele entra em ação, delineando direitos e deveres.
Conforme o artigo 2º do CDC, considera-se consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. O fornecedor, por sua vez, é definido pelo artigo 3º do CDC como qualquer pessoa física ou jurídica que desenvolva atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
A relação consumerista se limita à compra e venda de produtos ou à aquisição e prestação de serviços entre consumidor e fornecedor. No entanto, para que o fornecedor seja reconhecido como tal, sua atividade deve ser habitual. Se uma pessoa jurídica ou física vende um produto de forma isolada, sem constituir parte de sua atividade empresarial, ela não é considerada fornecedora.
Para esclarecer essa distinção, consideremos duas situações. Na primeira, uma empresa fabricante de ar condicionado vende seu produto a uma pessoa física, que o instala em sua residência. Mesmo que o fabricante venda para um distribuidor, e este, por sua vez, para a pessoa física, há uma relação de consumo. Ambos, fabricante e distribuidor, são fornecedores para fins do CDC.
A segunda situação envolve a venda de uma mesa de madeira por parte de uma empresa fabricante de ar condicionado, item que não faz parte de sua atividade principal. Nesse caso, não há uma relação de consumo devido à venda isolada de um produto.
A habitualidade na atividade do fornecedor é fundamental para caracterizar uma relação de consumo. Se o produto ou serviço faz parte da atividade empresarial, configura-se um fornecedor.
Os tribunais superiores destacam a importância dessa habitualidade:
“A mera aquisição de um bem de uma pessoa física, seja móvel ou imóvel, não caracteriza, por si só, relação de consumo, especialmente quando os particulares não vendem mercadorias nem oferecem serviços com frequência, devendo, por isso, ser aplicado o prazo prescricional do Código Civil.” (Agravo em Recurso Especial nº 1.370.738/MS. Relator Min. Antonio Carlos Ferreira – decisão monocrática).
“Os elementos formadores da relação de consumo são: consumidor, fornecedor e produto ou serviço. Nessa ordem de ideias, examinando o Código de Defesa do Consumidor, exige-se como requisito legal que o consumidor seja destinatário final do produto/serviço ajustado e vulnerável na relação contratual. Exige-se também que o fornecedor desenvolva atividade com habitualidade e remuneração, excluindo-se as relações trabalhistas.” (Agravo em Recurso Especial nº 981.791-RJ. Relator: Min Moura Ribeiro – decisão monocrática).
Essa definição de consumidor é crucial para aplicar a disciplina legal correspondente. O CDC presume uma relação desigual entre as partes, considerando o fornecedor como a parte mais forte, detentora dos meios de produção, enquanto o consumidor é vulnerável, sem conhecimento técnico e muitas vezes sem igual poder financeiro. A lei dispõe de mecanismos para proteger o consumidor e equilibrar essa relação.
Agora, surge uma pergunta importante: e no caso de produtos usados, como fica essa relação de consumo?
Utilizando o exemplo anterior, se o fabricante de ar condicionado vende sua mesa de madeira para uma pessoa qualquer, não há uma relação de consumo entre eles. Contudo, o fabricante continua sendo o fornecedor. A relação de consumo inicial entre o fabricante da mesa e a empresa de ar condicionado é estendida até a pessoa física compradora.
Assim, temos três relações distintas:
- Relação consumerista entre fabricante da mesa e empresa de ar condicionado.
- Relação paritária entre empresa de ar condicionado e pessoa física.
- Relação consumerista entre fabricante da mesa e pessoa física.
Essa mudança de mãos não altera os direitos e deveres previstos no CDC. Nesse contexto, o fabricante permanece responsável por defeitos e vícios do produto perante a pessoa física adquirente, mantendo as garantias legal e contratual. Os prazos legais para reclamar sobre vícios no produto também seguem seu curso normal.
Em resumo, o CDC é totalmente aplicado ao comprador de produtos usados. Ele herda os direitos do comprador original, e todas as normas protetivas e prazos legais são mantidos.
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